O
Governo do Presidente Sarney estará indelevelmente marcado por dois
acontecimentos dos mais importantes da história do Brasil: a transição
democrática e a promulgação da Nova Constituição.
Restaurando o poder do Congresso Nacional, a Constituição
de 1988 trouxe em seu bojo inúmeros institutos legais visando a
dar maior equilíbrio à vida político-institucional do Pais. Alguns
desses institutos figuram no capitulo que trata das finanças públicas,
cujo objetivo primordial foi tirar do executivo o poder absoluto
de regular toda a vida econ3mica da Nação, passando para o Congresso,
o fórum mais representativo das ansiedades nacionais, a capacidade
de influir nos destinos do País. Exemplo. clássico dessa Nova Ordem
foi a obrigatoriedade da regionalização dos orçamentos.
Dentro deste novo contexto, a aprovação anual da Lei
de Diretrizes Orçamentárias (LDO) é uma feliz novidade trazida pela
Constituição Federal promulgada em 1988.
Trata-se de documento que estabelece, para cada exercício,
as metas, os limites e as normas que vão orientar os Orçamentos
Globais da União (OGU).
O projeto da LDO de 1990, por exemplo, elaborado pelo
executivo, recebeu 719 emendas sendo 635 destas acolhidas no substitutivo
apresentado pelo relator. O que demonstra a grande preocupação
do Congresso com a matéria e a necessidade, de agora em diante,
de plena sintonia entre Executivo e Congresso, no que diz respeito
à matéria orçamentária.
A LDO que regerá a ação económico—fiscal do Executivo em 1990 apresenta-se como
documento austero no que diz respeito aos gastos públicos.
Toda a sociedade brasileira
sabe que a conjuntura que norteou a elaboração da LDO de 1990 é
de descontrole das contas do Governo e de acirramento das taxas
inflacionárias mensais. Sabe—se, ademais, que o déficit público
em 1989 deve ficar em torno de 6% do PIB, enquanto o de 1988 foi
de 5,2%, o qual, diga-se de passagem já era preocupante.
O desequilíbrio das contas
do Governo, se não levarmos em conta a receita advinda da colocação
de títulos, deve chegar a 9,5% do PIB, em 1989, percentual sem precedente
na economia brasileira.
Nesse
contexto, merece redobrada atenção o fato de que os dispêndios com
investimentos são bem inferiores aos gastos de custeio. E dentro
destes últimos, o grande peso É representado pelo item “pessoal”.
Enquanto se verificou uma diminuição de 30% no nível de investimentos,
do ano de 1988 para este ano, a folha salarial aumentou 13% em ternos
reais. A participação dos gastos com pessoal na receita disponível
do Governo, isto é, aquela deduzida das transferências, teve um
aumento alarmante. De fato, nos anos 70 e até o final da Velha República,
situava-se em torno de 40%, com uma reduzida variância em tomo
desta média. Já em 1985, esta participação se elevou para 42% e
chegou a ultrapassar 60% nos anos de 1987 e 1988 Para 1989 a estimativa
é que esta participação não deverá ser menor do que 90%.
Nas atuais circunstâncias,
pois, não se pode esperar a recuperação do nível de investimentos
do Governo, a curto prazo, pelo que dificilmente poder-se-ia pensar,
por enquanto, em leis orçamentárias que não fossem restritivas.
Aprovada a LDO, coube ao Executivo
encaminhar o OGU para 1990. Este, praticamente, reduziu a zero a
parcela da :receita fiscal do tesouro destinada a investimentos.
Os recursos que o próximo Presidente terá para investir no primeiro
ano de seu governo serão provenientes de emissão de títulos e de
receita vinculada, como a do salário educação, destinada a projetos
educacionais. A redução nos investimentos em 1990 é de 50% do previsto
anteriormente para o ano de 1989, isto é, menor US$ 9 bilhões.
Além deste corte, várias outras
medidas foram adotadas no OGU: diminuição de 50% nos gastos com
publicidade, limitação da folha de pessoal à do ano atual, corrigida
monetária mente etc.
No entanto, ainda perdura
um déficit de 1% em relação ao PIB, para o ano de 1990.
Não precisamos nos deter em
mais observações para constatar que o Governo está atravessando
uma aguda crise fiscal. Urgente se faz que medidas de maior fôlego
sejam adotadas. A redução dos gastos do Governo é importante e a
LDO e o OGU já apontam para alguns resultados fundamentais.
Entretanto, é preciso ter
em mente os efeitos que devem advir desses cortes orçamentários,
principalmente sobre os investimentos.
Vale lembrar dois ponto. importantes:
primeiro a taxa de crescimento do PIB brasileiro só atingiu os índices
da época do “milagre” porque o setor público apresentava altos percentuais
de investimento (Veja Tabela 1); segundo, a economia nordestina
é muito mais dependente do setor público que a economia brasileira
como um todo. De fato, enquanto a FBCF do setor público, no Brasil,
representa, em média, 14% da FBCF total, no Nordeste essa participação
chega a 45% (Veja Tabela 1 e 2).
Não pode, portanto, o Governo
Federal tender a modificar linearmente os valores no lado da despesa.
A seletividade nos cortes é fundamental, para não sacrificar ainda
mais as regiões menos desenvolvidas do pais, coma é o caso do Nordeste.
Note-se, ainda, que pelo lado
da receita, há muito que corrigir, se possível ainda a tempo de
favorecer o OGU para 1990. O grosso da carga tributária se concentra
na ‘classe média, isto é, naqueles que percebem de 10 a 25 salários
mínimos; os ganhos de capital têm uma discriminação favorável quanto
a alíquotas; os ricos pagam menos impostos que os pobres; a agricultura
não paga imposto sobre rendimentos reais auferidos, etc.
Além disso, a nossa estrutura
de tributação é diversa da vigente na maioria dos países, ai incluídos
os desenvolvi dos. No caso brasileiro, as pessoas jurídicas pagam
um percentual de imposto maior do que pagariam em outros países,
fato que vai penalizar o consumidor, sobre o qual recai essa carga
adicional, via preços. Por outro lado, grande parte da arrecadação
é indireta (quase 45%), enquanto a média para 23 países (entre eles
os desenvolvidos) se situa em 30%.
O alto índice de sonegação
tem contribuído bastante para agravar este quadro. Os próprios dirigentes
da Receita Federal, a estimam em 30% do PIB, o que parece extremamente
eleva do, se verificarmos que a arrecadação de 1988 foi de 24,5%
do PIB, podendo atingir 27% neste ano.
No Brasil, somente 3,5 milhões
de pessoas pagam, efetivamente, o imposto de renda, de uma população
de 140 milhões de habitantes, pois, embora 9 milhões de pessoas
recolham o imposto, destes, 5,5 milhões recebem restituição.
No Canadá, por exemplo, 17
milhões de pessoas contribuem para o IR, de uma população de 25
milhões de habitantes. A população economicamente ativa é 20 milhões.
Enfim, há uma má distribuição
da carga tributária bruta, transformando o nosso sistema fiscal
em um dos mais injustos dentre os países de estrutura economicamente
significativa.
Por outro lado, grande parte
dessa arrecadação vai para pagamento do serviço da dívida interna,
isto é, para a mão dos aplicadores financeiros, os que fazem a já
famosa “ciranda”, desviando—se, para esse fim, os recursos da poupança
privada que deveriam ir para o sistema produtivo, estimados em US$
80 bilhões.
Desta forma, os técnicos do
Ministério da Fazenda e da Secretaria de Planejamento não devem
medir esforços para solucionar o grave problema das contas do governo,
levando em conta os três condicionantes aqui referidos: cortes não
lineares dos investimentos públicos federais, com prioridade para
as regiões mais carente, maior equidade para o sistema fiscal brasileiro
e redução do serviço da dívida interna.
Na realidade, não há solução
para o problema das contas públicas se não forem adequadamente solucionados
os condicionantes citados porque sem resolver o problema do serviço
da dívida interna1, não haverá recursos para investimento,
os quais dificilmente poderão vir através do aumento da carga tributária
sem exaurir a capacidade de pagamento dos atuais contribuintes.
E a capacidade de cortes nos investimentos praticamente já não existe,
pelo baixo nível destes. E se lineares, mais injustiça e ineficiência
na alocação dos recursos ocorrera.
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