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Palestra proferida pelo Dr. Luiz Esteves Neto, Presidente da FIEC, aos Oficiais da Força Aérea Brasileira - "A Indústria Cearense e a Força Aérea Brasileira".
Fortaleza, 07 de julho de 1987


Afirmam os especialistas em economia que três são os fatores básicos para a determinação de um estagio de desenvolvi mento: os fatores físicos, os fatores históricos e os fatores institucionais.

Definem os fatores físicos como aqueles ofertados pela natureza, coadjuvados pela formação dos recursos humanos: os fatores históricos são determinados por eventos aleatórios, muita das vezes ocorridos fora das fronteiras do próprio País; e os fatores institucionais são aqueles emergentes da acção política do próprio homem.

No Nordeste todos esses fatores conjugaram-se para, em um efeito deletério em cadeia, determinar o atual estágio de subdesenvolvimento que a Região se encontra.

Na área dos fatores físicos. Os solos do Nordeste, o clima, as intempéries comprometeram a formação da base econômica da Região. São por estes condicionantes, o Nordeste estaria fadado a um crescimento bastante diferenciado de outras regiões, fisicamente melhor dotadas.

Enquanto isso a história do País, num primeiro momento, brindou-nos com condições que poderiam ter favorecido um crescimento aceitável para este pedaço de Brasil. Entretanto, estas condições foram efêmeras e logo viu-se a Região mergulha da em uma situação de marginalidade. Se no Brasil Colônia éramos o Brasil rico, com o deslocamento da sede do Governo Imperial para o Sudeste começou a derrocada da região Nordestina. Assim, aos fatores físicos adversos vieram somar-se os fatores históricos negativos (o exemplo citado apenas um entre muitos), conjuminando-se para um maior agravamento das dificuldades a serem superadas.

Restou, como última esperança, como uma compensação para esses fatores desfavoráveis ao desenvolvimento do Nordeste, que a ação política do Governo viesse de encontro ás adversidades fisico-históricas. Doloroso engano! Este fator talvez tenha sido, justamente, o que mais afetou negativamente o processo de desenvolvimento da Região.

Esta assertiva deve parecer completamente descabida a julgar pelo alarde que se faz sobre as inúmeras “benesses” que seriam tão constante e magnanimamente ofertadas ao Nordeste, pelo Governo da União.

É interessante observar que a história registra todos os fatos, o real e o irreal, mas, pela tendência do brasileiro ao sonho, o irreal toma foro de real. Não é à toa quê a frase de D. Pedro II de que venderia até a ultima pedra de sua coroa para que nenhum Nordestino morresse de fome, passou a Historia. Mas, na verdade, sequer um grama de ouro dos botões de seu colete serviu para saciar a fome de qualquer nordestino.

Ao longo do tempo, devido a esta tendência latina de vi ver no sonho e escamotear a dura realidade, viram os nordestinos avolumarem-se contra a Região os mais descabidos argumentos sobre a incapacidade destes e desta em responderem aos “estimulas” do Governo Central.

Entretanto, a realidade é bem outra. Apesar da União, a economia nordestina tem, pouco a pouco, e por que o Nordestino é antes de tudo um forte —  mostrado sua pujança e sua força para enfrentar óbices e infortúnios.

Qual o porque do “apesar da União”?

Ao analisarmos o moderno processo de desenvolvimento brasileiro, vimos que todas as ações governamentais ou estatais voltaram—se quase que exclusivamente para o crescimento da Região Centro Sul. Assim foi a política de sustentação do preço do café, a implantação da infra-estrutura básica, a reserva de mercado para a indústria nascente do Sudeste, o financiamento de importação de equipamentos e bens de capital via uma política de taxa cambial sobrevalorizada, e tantas outras medidas cuja enumeração até nos levariam ao cansaço.

E ao Nordeste, o que restou? Ficar a margem de todo es se processo! Mas, infelizmente, não coube a Região apenas o ficar a margem. Foi-lhe exigido um pagamento por isto! De fato, a política de sobrevalorização cambial não só ensejou ao Centro Sul a importação barata dos bens de que tanto precisava, mas penalizou o Nordeste que era, e é, superavitário em seu comércio com o exterior. A política tarifaria determinou a reserva de mercado para a indústria nacional, mas sem sombra de dúvida corroeu sistematicaticamente o poder de compra do nordestino.

Lembremos como exemplo mais frisante, que o petróleo brasileiro foi inicialmente produzido no Nordeste, mas o parque de refino e petroquímico foi primeiramente instalado no Sudeste.

Ante tantos descaminhos será que o resultado poderia ser diferente?

O paradoxal é que nos acusam de incompetentes, malbaratadores do dinheiro público, de sermos o peso morto da Nação brasileira. Criam-se falácias e apregoam-se mentiras.

Economistas de renomada chegam a afirmar que para cada cruzado que o Governo Federal arrecada no Nordeste, devolve três para a Região. Aqui esta uma falácia, porque tais cálculos são baseados na arrecadação, enquanto a variável correta a ser considerada é a incidência.

Ao afirmarem que o Nordeste não responde aos incentivos do Governo, os técnicos que assim o fazem mascaram a verdade, pois toda vez que foi criado um programa especifico para a Região, esta apresentou taxas de crescimento superiores as do Brasil.

Senão Vejamos:

A) A partir de 1962 quando se iniciou o processo de industrialização do NE, esta região, até 1967, cresceu, em media, bem mais rapidamente que a economia brasileira. En1 1962 o Brasil crescia a uma taxa de 5,2% enquanto o Nordeste crescia a unia taxa de 6,1%. J~ em 1967 essas taxas foram 4,8 e 11,6, respectiva mente. A partir daquele ano, a SUDENE começou a ser esvaziada, e as taxas nordestinas apresentam-se menores que as brasileiras.

B) Quando, novamente, se tomaram medidas especificas para o crescimento da Regido, 1974—1980, com a implantação do POLONORDESTE, PROHIDRO e PROJETO SERTANEJO, o Nordeste voltou a crescer mais que o Brasil. Em 1975 a taxa de crescimento do Nordeste foi de 14,1% enquanto a do Brasil foi de 5,6Z; em 1977 essas taxas foram 9,2 e 5,4%, respectivamente. Vale ressaltar, ainda, que as taxas de crescimento da Região nos outros penados é bastante inferior às taxas verificadas para o Brasil justamente nos anos de seca (1970, 1974, 1981 e 1984).

Esta tem sido a pratica nos últimos trinta 300S. E, infelizmente, ainda não estancou. Há pouco mais de um mês o Constituinte José Serra declarou que era preciso acabar com os incentivos fiscais para o Nordeste porque, segundo ele, o Governo Federal abdicava de. 50% do IRPJ para aplicação em projetos de resultados duvidosos. Nada mais inverídico. Primeiro os incentivos fiscais para o Nordeste não superam os 6% do imposto de renda; segundo, somente quem não conhece a Regido pode afirmar que os projetos industriais apoiados pelo FINOR são de resultados duvidosos. Os números desmentem esta assertiva. De fato, conforme trabalho realizado pelo Banco do Nordeste e SUDENE, apenas 13% dos projetos aprovados estio paralisados, representando em termos de valor liberado tão somente 8,8%. Estatisticamente esta é uma margem bastante aceitável. Ressalta-se que experiências semelhantes na Itália e em Porto Rico revelaram um índice de frustração em relação aos investimentos totais aprovados, bem superior aos verificados para o FINOR, já que naqueles países tais índices alcançaram 44 e 32% respectivamente.

Ressalte-se, ainda, que analisando-se a arrecadação nordestina do Imposto sobre Produtos Industrializados observa-se que no período compreendido entre abril de 84 e março de 85, 41,6% foi proveniente das 20 maiores empresas de cada um dos Estados Nordestinos e desse percentual , 83,4;. corres ponde ao valor arrecadado por essas empresas (20 maiores de cada Estado do Nordeste), assistidas pelo FINOR, numa amostra da dinamicidade das empresas implantadas graças à política de incentivos mantida pela SUDENE.

Arguir contra o sucesso do FINOR ou dizer que a Região recebe recursos em excesso e uma inverdade. É interessante verificar que não se diz que somente os gastos com a Usina de Itaipú superam em duas vezes todos os recursos vindos para o Nordeste através do Sistema 34/18 - FINOR, em todos os seus 26 anos de existência. Não se diz que o incentivo ao trigo consubstanciado pelo consumo nos Estados do Sudeste, em 1986, foi quase igual ao orça mento do FINOR para aquele ano.

Assim, tem o Nordeste que lutar contra a adversidade físico-climática e contra a “cultura” anti-nordestina que vem-se instalando neste Pais. Esquecem os que alimentam tal “cultura” que o Brasil jamais será um Pais forte com um Nordeste fraco.

Senhores, este não é mais um desabafo de um nordestino, mas urna constatação dolorosa de que algo h5 de ser feito se queremos preservar a unidade nacional, se queremos ter uma Pátria forte e desenvolvida, sob a proteção de regime democrático fortalecido e capaz de assegurar nossa soberania no conceito das nações.

A esta altura, os senhores devem estar a se perguntar onde entra o Ceará neste contexto. Ele se insere justamente por ser uni reflexo deste quadro de marginalização porque tem passado o Nordeste.

Se o Ceará tem hoje um nascente, porém vicejante parque fabril não foi pela ajuda do Governo Central , mas pela coragem e tenacidade do homem cearense.

Mesmo lutando contra uma natureza hostil e contra a indiferença do poder público o cearense esta construindo um parque industrial que hoje e o terceiro do Nordeste, composto por quase 4.000 empresas de médio porte e com quase o mesmo número de micro e pequenas empresas.

Hoje o Ceará é o terceiro pólo de confecção e de calçados do Brasil. A industria de beneficiamento do caju responde por mais de da produção nacional. A indústria lagosteira é a maior do Pais. Temos um florescente pólo metal-mecânico e o parque têxtil é um dos mais modernos da Nação, estando a duplicação de sua capacidade produtiva assegurada para os 2 (dois) próximos anos.

Ressalte-se que não temos uma só empresa estatal federal e não hospedamos nenhuma grande instituição pública, quer militar, quer civil. As duas únicas unidades de algum porte cujas sedes estio localizadas em Fortaleza são o Banco do Nordeste e o DNOCS. Instituições estas que lutam com grande dificuldade para cumprirem seus papéis, justamente por falta de apoio do Governo Federal. E mais do que isso, por terem seus orçamentas e liberação de verbas diminuídas e dificultadas cada vez mais.

Quando da criação do BNB contava aquela instituição de crédito com recursos estáveis para promover o desenvolvimento da Região. Era o chama do Fundo das Secas. Mas em 1967 a nova Constituição eliminou esse dispositivo e o Nordeste, de 1967 a 1986 perdeu, a preços de junho de 1987, 1.029 bilhões de cruzados.

Também os recursos dos incentivos fiscais para o Nordeste-F1NOR-, que em 1962 representavam 100% de todos os incentivos fiscais, foram, pouco a pouco, sendo diluídos (SUDAM, SUDEPE, Turismo, Reflorestamento, PIN, PROTERRA) de forma que, em 1985, representavam apenas 27,8% dos incentivos iniciais.

Essa retirada de recursos foi ainda mais perversa porque eles foram aplicados, em sua quase totalidade, em outras Regiões do Pais, subtraindo-se, dessa forma, ao Nordeste mais uma oportunidade de iniciar-se em outras atividades econômicas e desenvolvimentistas, em pé de igualdade com as regiões já ricas e beneficiadas.

Este é o cenário adverso no qual o Ceará se insere.

Mas, como afirmamos anteriormente, o nordestino e um forte e mais forte ainda é o cearense. E é por isto que estamos lutando com todas as nossas energias para não ficarmos atrás no esforço desenvolvimentista da Região. Hoje, mercê dos empecilhos citados, o Ceará estão se distanciando não mais do desenvolvimento do Centro Sul , mas do desenvolvimento dos Estados da mesma Região.

Nordeste está passando por um ciclo evolutivo cuja tendência é a consolidação de seu parque industrial. E o Ceara, que antes da SUDENE já representava o terceiro estado da Região em termos de produto, apesar da guerra geopolítica entre os estados nordestinos, o que faz com que a maior parte da minúscula porção que o Governo Federal destina ao Nordeste se localize em Pernambuco e Bahia, continua nesta posição, o que significa dizer que nossos esforços são redobrados na luta contra o subdesenvolvimento ou, melhor dito, pela sobrevivência.

Assim é que não temos medido esforços, inclusive com a participação da própria Federação das Indústrias do Estado do Ceará, para que se aumentem os investimentos em pesquisas tecnológicas e em estudos sócio-econômicos.

Este esforço é básico neste momento de transição, onde o perfil industrial vem se modificando em direção de um uso cada vez maior de tecnologias de ponta, como e o caso da química fina, da informática, da engenharia genética, etc.

Referidas atividades quase que não guardam qualquer correlação com as aptidões e a oferta natural de recursos locacionais. Seu desenvolvimento é, basicamente, fruto da vontade política e da qualificação da mão-de-obra.

Por isso é que a Federação das Indústrias do Estado do Ceará, hoje, estão participando da instalação de um Centro Nacional de Pesquisas do Caju e patrocinando um Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da indústria Química, ambos em conjunto com a Universidade Federal e com o Governo do Estado. Estes centros visam a dar suporte, de um lado a uma atividade fundamental para a economia cearense, responsável por exportações anuais em torno de US$ 100 milhões e, de outro, a uma atividade que, a partir das pesquisas já realizadas na UFC, poderá consolidar o parque químico-farmacêutico do Estado.

Entretanto, essa luta é bastante desigual porque o talante de adversos fatores seculares, até hoje invencíveis, Obrigam a frágil aeronave do Estado a voar no céu borrascoso da quase miséria.

Apesar de todo o esforço despendido pelo Ceará no caminho da industrialização, na tentativa de criar uma personalidade económica, quase nenhum resultado foi produzido no que diz respeito a uma melhora substancial no bem-estar de sua população.

A realidade é bastante palpável e se consubstancia em numeras que não podem ser olvidados.

Os dados que ora lhes são mostrados para o Nordeste pode não ser transpostos para o Ceará em uma escala bem mais acentua da. Veja-se que da força de trabalho brasileira sem rendimento, 40,5% é nordestina. O consumo de caloria por comensal-dia nordestino é de, apenas, 12,5% daquele verificado para o brasileiro; para cada 1.000 habitantes do Nordeste só existem 61 ,9Z dos lei tos hospitalares oferecidos a cada 1.000 brasileiros; e para o numero de médicos por 1.000 habitantes, a relação Nordeste/Brasil e de 64,3%.

No campo econômico, também, a situação não é alentadora, vez que enquanto da PEA - População Economicamente Ativa brasileira 32,5% ganha até um salário mínimo, no Nordeste esta relação chega a 47,1%; em contraste com o que ocorre no Sudeste, cuja relação é de 28,6%. Se a renda per capita do brasileiro, em 1985, estava em torno de US$ 1,487.37; a do nordestino, US$ 746.12, a do cearense situava-se em torno de US$ 150.00.

Senhores, este é o contexto no qual estamos inseridos.

E onde estamos decididos a lutar a nossa luta.

A FIEC se rejubila com a oportunidade que lhe foi dada em explicitar para uma platéia tão seleta e culta a situação do Nordeste e, em particular, do Estado do Ceará. Isto porque o Ceara é um Estado que clama apoio e compreensão do Pais do qual faz parte. Porque nossa situação exige que, parafraseando o Presidente Kennedy, “não perguntem o que o Ceará pode fazer pela Nação, perguntem o que a Nação pode e necessita fazer pelo Ceara.

Os dados são bastante evidentes em mostrar que pouco efeito tiveram os constantes sacrifícios impostos ao povo cearense, por uma política nacional discriminatória e os infindáveis fatos comprobatórios da nossa viabilização econômica.

Daí nasce uma sensação de frustração e um inegável sentimento de impotência emerge, quando vemos uma instituição como a Força Aérea Brasileira perguntar ao Ceará em que o Ceara pode contribuir para o desenvolvimento da FAB. Primeiro porque na atualidade pouco temos a oferecer neste sentido; segundo, porque constatamos que nosso clamor ainda não atingiu o grau de intensidade para ser ouvido e entendido pela totalidade da Nação Brasileira.

Desta forma, é que somos obrigados a reverter a indagação - tema.

E o fazemos com mais propriedade, visto que há algum tempo neste mesmo auditório esteve o Dr. José Flávio Costa Lima, trazendo sugestões concretas. Permito-me repetir-lhe as palavras: “Aqui vamos defender uma posição que, para os Senhores, poderá parecer esdrúxula mas, para nós, parece bastante racional. Advogamos, por exemplo, a transferência de grandes unidades militares, transferencia de institutos e unidades de pesquisas e de indústrias estatais, como a de armamentos para o interior nordestino.

Podemos justificar essas medidas, pelo menos, em dois campos: o econômico e o de segurança nacional. O econômico diz respeito à desconcentração industrial, à criação de empregos e mercados no Nordeste, à criação de riqueza, enfim. Isto porque a transferência dessas unidades permitira a fixação no campo de um grande contingente populacional já engajado no processo produtivo. Tal fato se constituíra, sem dúvida, em estimulo d iniciativa privada a se expandir nos diversos setores da economia. Simultaneamente, tal transferência induzira, ainda, a investimentos públicos em infra-estrutura física e social, contribuindo, sobremaneira, para a melhoria das condições devida do povo nordestino.

O de segurança nacional diz respeito à diversificação vocacional, difícil acesso e distanciamento de grandes centros populacionais, o que, com certeza, diminui os riscos provenientes de qualquer convulsão social.

A repetição dessa análise e sugestão rido significa o vicio de reclamar e de lamentar.

Ela é fruto da nossa determinação de não deixar morrer a campanha que deflagramos e manteremos viva, custe o que custar, para que o Pais, tome conhecimento e se convença de que não somos problema nordestino ou cearense, somos o problema brasileiro.

Senhores, a nação brasileira passa por profundas transformações. Estamos no limiar de um novo tempo, a partir do qual o Brasil crescera ou em um todo harmónico ou em varias Brasis que digladiar-se-ão uns comas outros. O Nordeste já perdeu o avião do processo de industrialização via substituição de importação. A hora é chegada de pegara Ultimo avião da integração econômica do Brasil, pois caso isto não ocorra, talvez não deixemos para as gerações futuras sequer o aeroporto.

Muito obrigado.