Senhores,
Ao
cumprimenta-los pela promoção deste debate, cujo tema se nos apresenta
como oportuno face à proximidade da eleição do Congresso Nacional
Constituinte, trazemo-lhes, de início, a nossa convicção de que
nenhuma forma de sectarismo, seja de direita, seja de esquerda,
nos ajuda na compreensão e resolução dos nossos graves problemas
nacionais. Em especial, a ordem social e econômica que deveremos
inscrever na nova Constituição está a requerer nesta fase preparatória
uma reflexão aprofundada sobre o nosso sistema econômico vigente,
as funções que o Estado vem exercendo e o espaço que vem ocupando
a livre iniciativa.
Dentre
as formas de proceder a esta reflexão, duas nos parecem objetivas.
A primeira partiria das diversas doutrinas econômicas, comparando-as
entre si e daí extraindo um esboço teórico plausível de aplicação
ao caso brasileiro. Uma segunda abordagem seria a de proceder a
uma análise histórica do País, de per si e no contexto mundial,
na qual as componentes política, econômica e sociológica fossem
devidamente consideradas. Entretanto, como o temário apresentado
se relaciona melhor com a primeira abordagem e supondo que o debate
a seguir se atrelará mais à segunda, passaremos ao exame de algumas
doutrinas detendo-nos naquilo que elas sugerem de específico sobre
as questões do Estado e da livre iniciativa numa sociedade democrática,
sem pretensões de especialista que não somos. A seguir tomaremos
estas questões ao nível das extensas mudanças de nossa época atual,
para finalizar destacando alguns tópicos que na condição de empresário
estamos discutindo em nossas entidades de classe.
O
sistema clássico de Adam Smith, desenvolvido em seu livro “A Riqueza
das Nações” constituiu a estrutura básica da economia em mais de
um século e está centrado no enfoque da “Ordem Natural”. No cerne
desse sistema encontra-se o indivíduo que segue seus próprios interesses
ao mesmo tempo em que promove a bem estar da sociedade como um todo.
Defendendo o Estado mínimo restrito à função de agente guardião
e polícia, admite que conduzido pela “ mão invisível” o interesse
privado guiaria o homem para maximizar o esforço produtivo, e assim
atingir o interesse coletivo. Argumentava Adam Smith nos seguintes
termos; “ Sendo assim, como qualquer indivíduo põe todo seu empenho
em empregar seu capital para sustentar a indústria doméstica e conduzi-la
à consecução do produto que rende mais valor... Ninguém se propõe
de modo geral, a promover o interesse público, nem sabe até que
ponto o promove. Quando prefere a atividade econômica de seu País
à estrangeira, considera unicamente sua segurança, só pensa em seu
próprio lucro; mas neste como em muitos outros casos, é conduzido
por uma Mão Invisível a promover um fim que não entrava em suas
intenções, pois ao perseguir seu próprio interesse, promove o da
sociedade de uma maneira mais efetiva que se isto entrasse em seu
desígnio”.
Nestas
condições, o mercado é o mecanismo auto-regulador do processo econômico
e auto-corretor de desajustes eventuais sempre tomados como transitórios.
Contrapondo-se
à doutrina clássica que não explicava a grande depressão de 1929,
nem lhe oferecia instrumentos para sua superação, Keynes, com a
consciência prática das realidades políticas e econômicas de seu
tempo, fez proposições de política econômica que findaram por constituir
uma doutrina. Rejeitando o equilíbrio natural e o livre mercado
como o mecanismo para o ajuste automático, essa doutrina parte da
evidência de que “ o capitalismo gerava dois problemas fundamentais
– desemprego e concentração da riqueza e da renda”. Daí a sua tese
de que o Estado deve intervir na economia de mercado e que é através
de sua participação que se pode garantir o pleno emprego e evitar
os ciclos depressivos do capitalismo. Dessa forma, Keynes lança
os fundamentos da transição do capitalismo de livre mercado para
o de economia mista.
Essas
doutrinas, ora sumariadas em função do tema proposto, respaldaram
e ainda continuam a respaldar inúmeras tentativas de política econômica,
além de, aliadas a concepções filosóficas, fundamentarem diversas
correntes do pensamento, passando pelos liberais, neo-liberais,
progressistas, socialistas, etc.
Nesse
sentido essas doutrinas deram uma contribuição valiosa para um maior
conhecimento dos problemas sócio-econômicos. A constatação de que
tiveram seguidores e opositores atesta, simultaneamente, o seu valor
e as suas limitações. Tem-se ainda limitações de outra ordem apontadas
pela história que chamam a atenção para a sociedade econômica moderna
com acentuada presença do Estado e que, segundo a expressão de Galbraith
está montada no sistema bimodal. Uma parte agrupa um pequeno número
de grande empresas, com estrutura bem diferente da outra formada
por um número muito elevado de pequenas empresas.
Nesse
processo, onde o referencial teórico se desenvolveu concomitante
a mudanças profundas da realidade, depreende-se uma evolução nítida
das funções do Estado que acrescenta, ao seu papel de guardião e
polícia do sistema clássico, os de Estado Regulador do Mercado,
Estado Promotor do Desenvolvimento, Estado Empresário, Estado Investidor
Estado Planejador.
Essa
ampliação do Estado na economia teve seu curso delineado por um
elenco de fatores estruturais e conjunturais ligado ao próprio desenvolvimento
industrial, não sendo portanto uma situação típica do Brasil. A
complexidade crescente do sistema econômico e do próprio tecido
social incorporaram essa novas funções que vêm sendo desempenhadas
pelo Estado moderno e se compatibilizam plenamente com a vocação
democrática da atualidade.
A
democracia que reconhecemos como o melhor regime que a história
nos tem legado favorece em sua prática uma salutar interação entre
a política e a economia. E é ainda a história que fortalece a nossa
convicção de que sem liberdade econômica não há liberdade política.
Daí porque ser fundamental traçar limites para a atuação do Estado
no sistema de economia mista e sob o primado da livre iniciativa.
No exercício de suas funções deve o Estado sempre sintonizar-se
com um sistema de organização do poder que impeça qualquer totalitarismo.
Para
melhor explicar apenas um aspecto da intervenção do poder público
na economia – o da nacionalização, escutemos o que lucidamente nos
diz Jean – François Revel : “É um erro se admitir que as nacionalizações
existem unicamente no regime “ de esquerda” e caracterizam exclusivamente
as políticas “de esquerda”. Elas existem em todos os regimes onde
o Estado quer assegurar o monopólio ou pelo menos o controle global
da decisão econômica ou de cultural, não pelo prazer de se ocupar
de economia ou de cultura, mas para consumar a organização política
da sociedade. Os fascistas são também viciados em nacionalização.
Sabe-se que Franco foi o maior nacionalizador da história da Espanha.
(...) . A mesma ambição de incorporar ao Estado a maior parte do
poder econômico animava Mussolini e Hitler “.
No
nosso entendimento a atuação do Estado em favor do Bem Comum torna-se
imprescindível. Entretanto, rejeitamos a figura do Estado interventor
que a tudo provê. Assim, para resguardar a probidade administrativa
e impedir o abuso do poder reconhecemos ser tão importante a política
dos cidadãos. Enfim, pensamos que o liberalismo vazio do “laissez-faire”
não tem ressonância na economia contemporânea.
Como
temos discutidos em nossa Confederação Nacional da Indústria (CNI)
, na qual a nossa Federação tem assento em sua Diretoria, é de alta
importância a elaboração de uma nova Constituição para o país. Embora
não tenhamos ainda concluído o documento que traz a contribuição
da indústria nacional, apresentaremos, em caráter preliminar, alguns
tópicos.
Defendendo
que os princípios fundamentais da ordem econômica devem estar em
harmonia com os da ordem social e ambos em função dos interesses
maiores da Nação, torna-se necessário alterar o artigo 160 da nossa
atual Constituição. A proposição da CNI, ainda em fase de discussão,
é a seguinte: “Art – A ordem econômica e a ordem social têm por
fundamento os seguintes princípios:
I
. liberdade de iniciativa e liberdade de mercado;
II
. liberdade de contratar;
III
. valorização do trabalho humano como condição da dignidade humana;
IV
. função social da propriedade e da empresa;
v.
harmonia e solidariedade entre as categorias de produção;
VI
. repressão ao abuso do poder econômico, caracterizando pelo domínio
dos mercados, eliminação da concorrência e o aumento arbitrário
dos lucros;
VII
. expansão das oportunidades de emprego produtivo, sem perda das
condições de competitividade;
VIII
. justo tratamento ao lucro.
É
preciso também definir com clareza e preferência ao desempenho das
atividades econômicas pelas empresas privadas, par que empresários
e consumidores privados sejam os principais atores da relações econômicas,
assegurando-se essa prioridade tanto entre as pequenas, quanto entre
as médias e as grandes empresas.
“Art.
– Á empresa privada compete preferencialmente organizar e explorar
as atividades econômicas, seja ela de pequeno, médio ou grande porte”.
Para
assegurar a autonomia da empresa privada em face do planejamento
econômico propõe-se: “Art. – O planejamento econômico público não
prejudicará a livre iniciartiva, a livre concorrência, e a liberdade
de contratar, não sendo obrigatório para as empresas privadas”.
Com
estas considerações ficamos disponíveis para o debate.
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