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Conferência do Presidente Dr. José Flávio Costa Lima, na Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra sob o título:"O Estado e a livre iniciativa numa Sociedade Democrática".
Fortaleza, 18 de agosto de 1986



Senhores,

Ao cumprimenta-los pela promoção deste debate, cujo tema se nos apresenta como oportuno face à proximidade da eleição do Congresso Nacional Constituinte, trazemo-lhes, de início, a nossa convicção de que nenhuma forma de sectarismo, seja de direita, seja de esquerda, nos ajuda na compreensão e resolução dos nossos graves problemas nacionais. Em especial, a ordem social e econômica que deveremos inscrever na nova Constituição está a requerer nesta fase preparatória uma reflexão aprofundada sobre o nosso sistema econômico vigente, as funções que o Estado vem exercendo e o espaço que vem ocupando a livre iniciativa.

Dentre as formas de proceder a esta reflexão, duas nos parecem objetivas. A primeira partiria das diversas doutrinas econômicas, comparando-as entre si e daí extraindo um esboço teórico plausível de aplicação ao caso brasileiro. Uma segunda abordagem seria a de proceder a uma análise histórica do País, de per si e no contexto mundial, na qual as componentes política, econômica e sociológica fossem devidamente consideradas. Entretanto, como o temário apresentado se relaciona melhor com a primeira abordagem e supondo que o debate a seguir se atrelará mais à segunda, passaremos ao exame de algumas doutrinas detendo-nos naquilo que elas sugerem de específico sobre as questões do Estado e da livre iniciativa numa sociedade democrática, sem pretensões de especialista que não somos. A seguir tomaremos estas questões ao nível das extensas mudanças de nossa época atual, para finalizar destacando alguns tópicos que na condição de empresário estamos discutindo em nossas entidades de classe.

O sistema clássico de Adam Smith, desenvolvido em seu livro “A Riqueza das Nações” constituiu a estrutura básica da economia em mais de um século e está centrado no enfoque da “Ordem Natural”. No cerne desse sistema encontra-se o indivíduo que segue seus próprios interesses ao mesmo tempo em que promove a bem estar da sociedade como um todo. Defendendo o Estado mínimo restrito à função de agente guardião e polícia,  admite que conduzido pela “ mão invisível” o interesse privado guiaria o homem para maximizar o esforço produtivo, e assim atingir o interesse coletivo. Argumentava Adam Smith nos seguintes termos; “ Sendo assim, como qualquer indivíduo põe todo seu empenho em empregar seu capital para sustentar a indústria doméstica e conduzi-la à consecução do produto que rende mais valor... Ninguém se propõe de modo geral, a promover o interesse público, nem sabe até que ponto o promove. Quando prefere a atividade econômica de seu País à estrangeira, considera unicamente sua segurança, só pensa em seu próprio lucro; mas neste como em muitos outros casos, é conduzido por uma Mão Invisível a promover um fim que não entrava em suas intenções, pois ao perseguir seu próprio interesse, promove o da sociedade de uma maneira mais efetiva que se isto entrasse em seu desígnio”.

Nestas condições, o mercado é o mecanismo auto-regulador do processo econômico e auto-corretor de desajustes eventuais sempre tomados como transitórios.

Contrapondo-se à doutrina clássica que não explicava a grande depressão de 1929, nem lhe oferecia instrumentos para sua superação, Keynes, com a consciência prática das realidades políticas e econômicas de seu tempo, fez proposições de política econômica que findaram por constituir uma doutrina. Rejeitando o equilíbrio natural e o livre mercado como o mecanismo para o ajuste automático, essa doutrina parte da evidência de que “ o capitalismo gerava dois problemas fundamentais – desemprego e concentração da riqueza e da renda”. Daí a sua tese de que o Estado deve intervir na economia de mercado e que é através de sua participação que se pode garantir o pleno emprego e evitar os ciclos depressivos do capitalismo. Dessa forma, Keynes lança os fundamentos da transição do capitalismo de livre mercado para o de economia mista.

Essas doutrinas, ora sumariadas em função do tema proposto, respaldaram e ainda continuam a respaldar inúmeras tentativas de política econômica, além de, aliadas a concepções filosóficas, fundamentarem diversas correntes do pensamento, passando pelos liberais, neo-liberais, progressistas, socialistas, etc.

Nesse sentido essas doutrinas deram uma contribuição valiosa para um maior conhecimento dos problemas sócio-econômicos. A constatação de que tiveram seguidores e opositores atesta, simultaneamente, o seu valor e as suas limitações. Tem-se ainda limitações de outra ordem apontadas pela história que chamam a atenção para a sociedade econômica moderna com acentuada presença do Estado e que, segundo a expressão de Galbraith está montada no sistema bimodal. Uma parte agrupa um pequeno número de grande empresas, com estrutura bem diferente da outra formada por um número muito elevado de pequenas empresas.

Nesse processo, onde o referencial teórico se desenvolveu concomitante a mudanças profundas da realidade, depreende-se uma evolução nítida das funções do Estado que acrescenta, ao seu papel de guardião e polícia do sistema clássico, os de Estado Regulador do Mercado, Estado Promotor do Desenvolvimento, Estado Empresário, Estado Investidor Estado Planejador.

Essa ampliação do Estado na economia teve seu curso delineado por um elenco de fatores estruturais e conjunturais ligado ao próprio desenvolvimento industrial, não sendo portanto uma situação típica do Brasil. A complexidade crescente do sistema econômico e do próprio tecido social incorporaram essa novas funções que vêm sendo desempenhadas pelo Estado moderno e se compatibilizam plenamente com a vocação democrática da atualidade.

A democracia que reconhecemos como o melhor regime que a história nos tem legado favorece em sua prática uma salutar interação entre a política e a economia. E é ainda a história que fortalece a nossa convicção de que sem liberdade econômica não há liberdade política. Daí porque ser fundamental traçar limites para a atuação do Estado no sistema de economia mista e sob o primado da livre iniciativa. No exercício de suas funções deve o Estado sempre sintonizar-se com um sistema de organização do poder que impeça qualquer totalitarismo.

Para melhor explicar apenas um aspecto da intervenção do poder público na economia – o da nacionalização, escutemos o que lucidamente nos diz Jean – François Revel : “É um erro se admitir que as nacionalizações existem unicamente no regime “ de esquerda” e caracterizam exclusivamente as políticas “de esquerda”. Elas existem em todos os regimes onde o Estado  quer assegurar o monopólio ou pelo menos o controle global da decisão econômica ou de cultural, não pelo prazer de se ocupar de economia ou de cultura, mas para consumar a organização política da sociedade. Os fascistas são também viciados em nacionalização. Sabe-se que Franco foi o maior nacionalizador da história da Espanha. (...) . A mesma ambição de incorporar ao Estado a maior parte do poder econômico animava Mussolini e Hitler “.

No nosso entendimento a atuação do Estado em favor do Bem Comum torna-se imprescindível. Entretanto, rejeitamos a figura do Estado interventor que a tudo provê. Assim, para resguardar a probidade administrativa e impedir o abuso do poder reconhecemos ser tão importante a política dos cidadãos. Enfim, pensamos que o liberalismo vazio do “laissez-faire” não tem ressonância na economia contemporânea.

Como temos discutidos em nossa Confederação Nacional da Indústria (CNI) , na qual a nossa Federação tem assento em sua Diretoria, é de alta importância a elaboração de uma nova Constituição para o país. Embora não tenhamos ainda concluído o documento que traz a contribuição da indústria nacional, apresentaremos, em caráter preliminar, alguns tópicos.

Defendendo que os princípios fundamentais da ordem econômica devem estar em harmonia com os da ordem social e ambos em função dos interesses maiores da Nação, torna-se necessário alterar o artigo 160 da nossa atual Constituição. A proposição da CNI, ainda em fase de discussão, é a seguinte: “Art – A ordem econômica e a ordem social têm por fundamento os seguintes princípios:

I . liberdade de iniciativa e liberdade de mercado;

II . liberdade de contratar;

III . valorização do trabalho humano como condição da dignidade humana;

IV . função social da propriedade e da empresa;

v. harmonia e solidariedade entre as categorias de produção;

VI . repressão ao abuso do poder econômico, caracterizando pelo domínio dos mercados, eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros;

VII . expansão das oportunidades de emprego produtivo, sem perda das condições de competitividade;

VIII . justo tratamento ao lucro.

É preciso também definir com clareza e preferência ao desempenho das atividades econômicas pelas empresas privadas, par que empresários e consumidores privados sejam os principais atores da relações econômicas, assegurando-se essa prioridade tanto entre as pequenas, quanto entre as médias e as grandes empresas.

“Art. – Á empresa privada compete preferencialmente organizar e explorar as atividades econômicas, seja ela de pequeno, médio ou grande porte”.

 

Para assegurar a autonomia  da empresa privada em face do planejamento econômico propõe-se: “Art. – O planejamento econômico público não prejudicará a livre iniciartiva, a livre concorrência, e a liberdade de contratar, não sendo obrigatório para as empresas privadas”.

Com estas considerações ficamos disponíveis para o debate.