Senhoras
e Senhores,
O
problema nordestino da Indústria de Rações tem as mesmas características
básicas dos problemas da Indústria desta região o centro/sul – agravado,
porém, pelos gravames mais amplos de nossas carências e do subdesenvolvimento
regional, tão pouco compreendido, esse último, pelas lideranças
das demais regiões do país e pelos “centros de decisão” política.
É
por isso mesmo que os nordestinos, sempre que se lhes oferecem oportunidades
como esta, cedem à tentação de abordar aquele tema que, em última
análise, ajuda à compreensão do assunto específico a ser tratado.
É
que, entusiasta do progresso deste Estado, não posso, por otimismo
ingênuo, acalentar ilusões, tais como a de que os graves problemas
regionais deste país se solucionarão por desdobramento, ou em conseqüência
do crescimento do núcleo da economia nacional, qual seja, São Paulo.
Leis econômicas,
antes aceitas como de validade universal, não parecem resistir ao
teste da história dos países subdesenvolvidos de hoje, nos quais se
encontra o Brasil.
A
nova ordem econômica internacional, que aí está, caracterizada por
relações simétricas de interdependência, bem como por relações assimétricas
de dominação, integra, queiramos ou não, todas as economias nacionais,
inclusive a nossa. Daí porque, a trilha percorrida pelos países
hoje desenvolvidos já não pode mais ser a nossa, ainda que seus
erros e acertos sejam elementos a não desprezar. Dentre estes últimos,
é válido preservar o sistema de economia de mercado, assegurando
a liberdade de iniciativa com melhor repartição da riqueza gerada.
Situando-me
na perspectivas dos que querem construir uma nação próspera, montada
nos pilares da democracia e da justiça social, não posso renunciar
ao dever de esboçar aqui, ainda que sumariamente, o lamentável perfil
intra-brasileiro, que acopla no seu interior a oitava potência industrial
do mundo e o maior bolsão de pobreza do hemisfério ocidental.
As
nossas profundas distorções, das quais a mais grave é a distribuição
e renda que hoje exibimos, os sérios problemas estruturais não contemplados
pela política econômica e social vigente, o imenso potencial de
recursos físicos e humanos subutilizados, ou mais precisamente à
margem do sistema produtivo nacional, são alguns dos traços que,
aliados aos déficits em nutrição, educação e saúde, refletem a nossa
condição de país subdesenvolvido.
Tornou-se,
hoje, consenso que o subdesenvolvimento é um fenômeno social complexo,
que desborda o estritamente econômico, tomado quer sob a dimensão
temporal, quer sob a espacial.
Esta
complexidade se aguça no caso brasileiro, onde as diferenças inter-regionais
não são apenas de ordem quantitativa que nos fizessem pensar em
simples problemas de defasagem de grau de crescimento.
Bem
ao contrário, estamos diante de regiões com peculiaridades culturais,
sociais e econômicas próprias, não estacionárias, a se inter-relacionarem,
configurando, não necessariamente evolutivo para todas.
Esta
nossa constatação básica se respalda em três fontes distintas, quais
sejam:
a)
estudos e documentários de cunho histórico, como os de Euclides
da Cunha, Caio Prado Júnior, Vianna Moog, Celso Furtado e muitos
outros;
b)
observação acurada da realidade que a experiência e o tempo só tendem
a aprofundar;
c)
dados estatísticos, complementados com informações coletadas em
pesquisas sociais e antropológicas.
Embora
reconhecendo a complementaridade destes fundamentos do conhecimento
do nosso país que, em síntese, nos permitiriam uma abordagem analítica
de nossa história, iremos nos deter, agora, no exame de alguns indicadores
que, certamente, permitirão melhor compreender a nossa realidade,
face à qual somos convocados a transformá-la.
É
que, desde meados da década de 50, o ritmo de crescimento da economia
nordestina vem ficando bem inferior ai do centro sul, acusando,
àquela época, uma relação de 1 para 2. Ainda que nas duas décadas
seguintes o Nordeste tenha crescido, em média, 7% ao ano, sua participação
na renda nacional passou de 15% para 12% e, atualmente, situa-se
em torno de 10%.
Em
termos de renda per capita, no período 1949/56, este indicador cresceu
a uma taxa de 1,5% no nordeste. Comparativamente, a diferença entre
os níveis de renda per capita nas duas regiões, além de ser bem
maior que a observada entre o centro-sul e a média dos países industrializados
da Europa Ocidental, vem se acentuando cada vez mais. Confirmada
esta tendência decrescente, constatou-se, ainda, que, nos anos de
1959 e 1970, a renda per capita do nordeste passou de 45% da média
nacional, para 37% até atingir, em 1975, 34%.
O
quadro atual, baseado no Censo Demográfico de 1980, ratifica e esvaziamento
econômico do nordeste, visto que, da mão-de-obra do país, a região
detém apenas 11% percebendo mais de 10 salários mínimos, enquanto
que o centro-sul concentra 70% dessa faixa salarial.
Outra
forma de se perceber mais detalhadamente a disponibilidade regional
de renda do país está no exame da distribuição da força de trabalho,
segundo os seus rendimentos.
|
NORDESTE
|
CENTRO-SUL
|
Sem
rendimento
|
51,2%
|
42,5%
|
Até
1 sal. min.
|
31,8%
|
14,4%
|
De
1 a 3 sal. min.
|
12,4%
|
26,4%
|
De
3 a 10 sal. min.
|
3,7%
|
13,4%
|
Mais
de 10 sal. min.
|
0,9%
|
3,3%
|
Sob
o ângulo do sistema produtivo, não se pode negar que a criação da
SUDENE e do BNB trouxe um novo vigor para a região, cujo setor industrial
vem alterando a sua estrutura produtiva. Assim é que vêm ganhando
posição os ramos industriais dinâmicos, de 25% para 44% do valor
da transformação industrial, reduzindo, conseqüentemente, a importância
dos ramos tradicionais, de 75% para 56%. Se é bem verdade que a
industrialização do nordeste é hoje irreversível, o que atesta a
capacidade da região de responder positivamente aos estímulos governamentais,
isto não significa que já contamos com as condições básicas de “démarrage”.
Obstáculos exógenos e endógenos ao próprio subdesenvolvimento regional
reduzem os efeitos multiplicadores dos recursos alocados que, aliás,
cumpre destacar, não são muitos nem regulares.
Tem sido grande
a evasão de recursos do FINOR, pois se em 1962 dispunha o fundo
de 100% dos incentivos, agora estes estão reduzidos a menos de 20%
e, ainda, destinam-se a financiar empresas estatais. Assim, apenas
para tomarmos um exemplo, confrontando-se as liberações do FINOR
com a receita tributária da União, constata-se, no período 1972/81,
que o índice inicial ficou em 2,4%, descendo no final para 1,4%.
Desse modo, se tivesse sido aplicado em 1981 o índice de 1972, o
FINOR teria tido Cr$ 55,4 bilhões, o que corresponderia a quase
o dobro (1,93 vezes) do efetivamente recebido neste último ano.
Além disso,
deve ser ressaltado que se tem denominado de regionais somente aqueles
programas específicos às áreas mais carentes (norte, nordeste e
centro-oeste), enquanto outros, envolvendo projetos de alto custo,
geralmente de caráter setorial, localizados no centro-sul, são rotulados
de nacionais. Essa forma “sui generis” de classificação das ações
do Governo Federal nas diversas regiões impede que se tenha uma
visão correta da real distribuição dos recursos no país.
No
âmbito do papel do Nordeste no desenvolvimento nacional, alguns
dados, sintetizados pela SUDENE, comprovam a contribuição da Região.
Senão vejamos:
a)
o nordeste produz 1/5 do petróleo de que precisa o Brasil e, no
entanto, seu consumo é de apenas 1/8; b) a indústria nordestina
adquire nas demais regiões 36,1% dos recursos de que precisa, sendo
19% de São Paulo. Quanto aos seus equipamentos, a maioria provém
também de São Paulo, restando 36% para comprar no exterior; c) as
importações internacionais do Nordeste correspondem, em média, à
metade das suas exportações, o que assegura um superávit regional.
Setorializando
as relações industriais Nordeste x Centro-Sul, torna-se imprescindível
examinar mais especificamente o caso da indústria de rações, de
per si, e em termos de suas repercussões na oferta de alimentos,
bem como na demanda de matérias-primas. Todavia, procurando respeitar
o planejamento deste Congresso, que reputo bem elaborado, deverei
restringir-me ao conteúdo da palestra ora proferida, deixando alguns
destes aspectos para discussão no decorrer dos próximos painéis
e debates.
No
que diz respeito ao crédito geral e especializado, a participação
do nordeste no volume total do país situa-se em torno de 12%, o
que não corresponde, é claro, às necessidades da região. Constata-se,
ainda, que o crédito de custeio agrícola ficou em torno de 1/6 do
valor bruto da produção agrícola do nordeste, enquanto o de investimento
atingiu 1/11 daquele valor. No sul e sudeste, estes valores chegaram
a, respectivamente, 1/3 e 1/7.
No
conjunto, as condições de financiamento em vigor, longe estão de
se compatibilizarem com a diretriz proclamada e – por que não dizer?
– merecida, de tratamento diferenciado ao nordeste.
Quanto à questão
do mercado de alimentos, estudos do BNB chegaram a especificar, para
a região, uma dieta nutricionalmente adequada e de custo mínimo, concluindo
que, a partir de 1974, esta dieta passou a custar mais que o salário
mínimo vigente. Nestas condições, a expansão do mercado de frangos
e ovos é previsível, seja porque estes produtos são ricos em proteínas
de baixo custo relativo, seja por força dos efeitos da recessão econômica
que vem provocando mudanças de hábitos, levando o consumidor a refazer
sua cesta de alimentos.
É
igualmente significativo o problema que o Nordeste enfrenta com
relação ao abastecimento do milho e da soja. A produção regional
daquele insumo vem sofrendo quedas substanciais, passando de 1.510.637
t., em 1978, para 514.118 t., em 1981.
Entretanto,
no cômputo geral da problemática que começa a ser levantada neste
Congresso, espero que os aspectos da indústria de rações com seus
efeitos para frente e para trás, na medida que forem aprofundados,
gerarão soluções a serem buscadas.
Em
suma, o nordeste interessa ao desenvolvimento do país e, como tal,
deve ser considerado uma prioridade nacional.
Para
tanto, existem instrumentos eficazes de natureza técnica que poderiam
ser acionados, no sentido de reverter a tendência concentradora
da atual política econômica, introduzindo novos mecanismos que atentem
mais para as necessidades básicas de todos os brasileiros.
Entretanto,
como dever primeiro, cumpre que uma decisão política se afirme.
É urgente que se efetive a participação crescente dos agentes produtivos
nas decisões que lhes dizem diretamente respeito e se persiga, gradativamente
e tenazmente, as soluções que os interesses maiores da nação estão
a reclamar.
|