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Discurso do Presidente da FIEC, Dr. José Flávio Costa Lima, no Ato de sua Posse para o novo Triênio 1980-1983.
Fortaleza, 16 de setembro de 1980


“Observando os movimentos de renovação da atividade sindical que se vem processando nas diversas entidades representativas da indústria nacional, nós nos orgulhamos, sem falsa modéstia, dos industriais brasileiros, que, a exemplo da abertura que viria a impor-se no campo político-social, assumiram no campo econômico, firme e inarredável posição de interlocutores da autoridade, dentro da correta compreensão de nosso papel, num regime que todos queremos democrático, pluralista e justo.

Convocado para novo período à frente da Federação das Indústrias do Ceará, é natural volvermos os olhos para reavaliar as tarefas a que nos propusemos há três anos, ajustando-as à realidade dos dias atuais.

Sem dúvida, o agravamento da crise de proporções mundiais, originada pelo problema do petróleo, prejudicou, dentro do quadro de restrições externas, a trajetória do crescimento nacional, impondo-lhe sérias deflexões, que a crescente inflação vem exacerbando extraordinariamente.

Não damos por conferido, entretanto, que os críticos problemas do Brasil se situem, apenas, nessa conjuntura da crise energética, como querem as autoridades econômicas, pois é forçoso reconhecer que eles se radicam, profundamente, nos déficits estruturais da nossa sociedade, somente superáveis mediante persistente e cuidadoso trabalho de quantos, nela, tenham a mínima parcela de liderança.

Para contestar o escapismo dos que debitam, apenas ao petróleo, as dificuldades que se  desdobram sobre a sociedade brasileira, basta perguntar ou avaliar o perfil dessa sociedade nos anos 73/74, quando tínhamos a energia praticamente de  graça.

A hipoteca social do Estado para com a Nação, ontem como hoje, demonstra claramente a falsidade do pretexto.

A fragilidade social, no quadro das populações faveladas, da desigualdade de renda, da gritante desnutrição que explode demograficamente em milhões de hebetados – futuros zumbis do sectarismo ideológico, a fragilidade social no quadro do Nordeste, de 35 milhões de injustiçados – o maior conglomerado de pobreza do ocidente, a fragilidade social no quadro do endividamento interno e externo que compromete nossa independência, esvazia de conteúdo humano as alegações de sucesso que, a título de compensação, nos colocam nos 8º produto interno bruto (PIB) do mundo.

É que a noção de desenvolvimento econômico não se concilia  apenas com o crescimento mecanicista da economia. O desenvolvimento tem de estar associado à fruição do bem estar pelas gerações contemporâneas.

Assim, dentro dessa dimensão, nossa responsabilidade aumenta como classe, num regime de mercado, que se quer aberto, o qual deve ensejar a cada cidadão o direito de participar social e culturalmente dos bens comunitários, já no plano das decisões, já no acesso à formas de melhor distribuição das riquezas.

Aqui, é bom que expressamos nossa manifesta solidariamente ao Presidente João Batista Figueiredo que, mobilizando as forças democráticas do País, procura solução construtiva para os conflitos, pelo Estado de Direito que só o consenso induz.

Queremos deixar claro que esta solidariedade não será meramente formal, nem será da indústria como classe; é a solidariedade do cidadão empresário, que quer participar, pois compreendemos que o industrial isolado morreu como liberalismo balofo do “laissez faire”.

As dimensões sociais, éticas e econômicas da crise que aí está, ameaçando, por seu desdobramento, as conquistas humanísticas das liberdades civis, mais do que nunca, reclamam, de nossa parte, maior ativismo político.

Necessariamente, ele não terá de passar pela militância partidária, ainda comprometida (et pour cause) pela penosa tradição brasileira de vazio político, preenchido pela ambição e pelo personalismo de muitos. Prevalecem os interesses grupais pelo mando, em detrimento de uma organização político-partidária definida, a nível de compatibilizar com as necessidades do País, o que é, sentido, aliás, por quantos tenham um mínimo de sensibilidade cívica.

É verdade que, na área da administração, até por força de dispositivo constitucional, pretende-se que se governa obedecendo a um planejamento, ou como plano. Mas, o problema é também de sua execução. Isto é, da formação dos quadros executivos dos escalões inferiores, onde entra a política... com “p” pequeno.

Myrdal registra, como conseqüência do próprio subdesenvolvimento, a distorção a que estão sujeitos os projetos, pelo desengajamento dos escalões de execução da administração. Ainda mais, diz o autorizado economista sueco: “outros desvios surgem com a promoção pessoal, que resulta em chocante desperdício com obras de fachada e em subsídios a custosos investimentos improdutivos”.

E é o ministro Golbery do Couto e Silva, segundo se vê em reportagem da revista VEJA, de 10 do corrente, que deixa bem claro esse tipo de distorção, no bojo do famigerado milagre brasileiro: “Expandiu-se, pujante, a burocracia, quase nunca bem orientada e esclarecida, atuando em muitos casos em rebeldia disfarçada ou persistente resistência passiva, para exclusivo benefício próprio. Essa lamentável realidade (ainda o ministro) avulta sobretudo com a proliferação de fundações evidentemente fictícias e, na administração, a de novas empresas públicas ou de economia mista, tanto na União como nos Estados, dotados todos de estatutos privilegiados e larga dose de autonomia, não de todo visível, aliás, marchava-se, inconsciente, a par de um mínimo de operância”.

A indagação subjacente é: até que ponto o maniqueismo político, tão destrutivo e inibidor das novas lideranças, teria sido alimentado nos escalões tecno-burocráticos, à revelia da autoridade maior, em benefício do próprio proveito no poder, e ainda mais, servindo, “CHI LO SA” a um plano de paciência oportunista, dentro da atual filosofia pragmática, do materialismo dialético, que evoluiu do modelo revolucionário da Rússia de 17, como bem o demonstra JEAN FRANÇOIS REVEL, (La Tentation Totalitaire).

A quem serviu o regime que se encontra enfrentando tantas tensões sociais?

O momento é de crítica e autocrítica. Governo e oposição, trabalhadores e empresários, estudantes e professores, profissionais liberais e confissões religiosas, ninguém pode omitir-se.

Compreendemos necessário um movimento de opinião pública, formado por cidadãos conscientes de sua cidadania, que a exercitem com independência, para ser o vetor de autênticas organizações político-partidárias, representativas das diversas correntes de opinião, em benefício do superior interesse do Brasil, tão dependente do espírito público de seus filhos.

O regime quer ser pluralista, com base na economia de mercado.

A indústria reivindica um modelo no qual a empresa nacional tenha um papel preponderante e não marginal das grandes empresas estatais, ou de grupos internacionais.

Alardeia-se, agora, perigosamente para as instituições – numa autêntica busca do bode expiatório – que os problemas inflacionários e as gritantes desigualdades sociais são fruto dos lucros excessivos ou da ganância do empresariado. Que o estado intervenha, então, com medidas financeiras e fiscais corretivas dos eventuais abusos porventura identificados, tendo sempre presente que a empresa nacional carece de poupanças, e que é do seu crescimento e de sua multiplicação, no quadro de uma economia aberta, que se amplia o mercado de trabalho prioridade máxima do momento.

Não aceitam as entidades que o trato dos problemas nacionais desbordem para tais colocações, principalmente quando partem das autoridades. Pois só serviriam para desacreditar o sistema e a empresa, em benefício das vocações totalitárias de sectários, cuja pregação aproveita os conflitos sociais assim alimentados...

Nossa Comenda possui a grandeza da fibra e da independência do industrial cearense, grandeza e fibra que são do nosso povo. Por isso, guardamo-la com muito carinho e só a cedemos sob as inspirações da amizade e do respeito que o merecimento induz.

As Federações de Indústria do Nordeste fizeram, recentemente, com Memorial expositivo, convite ao Sr. Ministro Delfin Netto para que debatêssemos, aqui, a adequação das políticas econômicas às nossas carências e programas. Esperando próxima oportunidade para realizar o encontro, nó nos permitimos Sr. Ministro Mário Andreazza, reiterar igual convite que lhe fizemos por intermédio da Associação Comercial do Ceará, que lidera valioso movimento de opinião junto às suas co-irmãs da região.

Seria de todo conveniente que essa reunião ministerial pudesse ser conjunta, em proveito de uma solução definitiva para nossa problemática que nada tem de conjuntural.   

Sua presença neste ato de posse nos honra e sobremodo gratifica.

Ao Governador Virgílio Távora e ao Senador José Lins, o agradecimento muito cordial, respeitoso e amigo da Federação das Indústrias do Ceará.

Aos presidentes das Federações co-irmãs que muito cordialmente vieram emprestar maior brilho a esta solenidade, o apreço e admiração do companheiro de lutas no plano maior da Confederação que, capitaneada por Albano Franco, saberá expressar o pensamento da indústria nacional para a solução dos grandes problemas do Brasil.

Aos companheiros que nos ajudaram no período e aos que foram agora convocados, trabalho  de industrial não termina nas fábricas, ele se prolonga até os sindicatos, onde, por exigência dos tempos modernos, se discutem e programam as funções sociais das empresas e dos lucros. Vamos trabalhar. Isto nós sabemos fazer.